Já passou a hora de apontar dedos aos culpados, de concatenar ideias conspiratórias ou de tentar marcar atividades ou viagens pra daqui dois meses, se iludindo que já já tudo isso vai passar. Precisamos encarar a realidade de uma maneira madura. Estamos passando pela pior crise da nossa geração (provávelmente), a qual deixará consequências MUITO mais devastadoras do que a crise de 29 - na economia e na nossa saúde mental.
É, o COVID-19 nos pregou uma peça, mas até que não era tão inesperado assim, não é mesmo?
A única coisa que eu consigo afirmar antes de começar esse texto baseado na minha experiência reagindo às crise é, precisamos juntar nossas lanternas pra tentar enxergar uma luz no fim do túnel. Querendo ou não, #wearetogheter nessa.
Bom, vamos lá.
Eu tenho essa mania minha de buscar definições no dicionário sempre que uma palavra tem força em algo que eu publico. A bola da vez foi a famosinha resiliência. Resiliência significa:
1. propriedade de um corpo de retornar à forma original depois de um choque;
2. capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou mudanças.
Possuir relisiência é algo que ficou na moda na vida laboral de muita gente, nas entrevistas sempre tratam de mencionar esse termo e colocar o entrevistado numa saia justa tentando relatar alguma situação em que se mostrou resiliente. Eu sempre achei que o objetivo dessas perguntas de entrevista era saber quanta pancada a pessoa era capaz de levar sem prejudicar seu desempenho ou abandonar o job.
Eu já passei por isso e aguentei bastante pancada em alguns trabalhos, até que chutei o balde e pude voltar à ser eu mesma. Aí sim, fui resiliente.
Como encontrar resiliência.
A gente tá bem sem tempo né, apesar de estarmos trancafiados em casa, então eu vou direto ao ponto: Como ser uma pessoa resiliente? De acordo com a minha experiência tudo começa com a AUTOIMAGEM, seja ela no âmbito coletivo ou individual. A forma como nos exergamos vai determinar nosso poder de resiliência. E só podemos enxergar quem somos e saber do que somos capazes se a gente se acostumar a sempre sair da nossa ZONA DE CONFORTO.Vai lá muda seu cabelo, experimenta algo novo, caminha por caminhos não usuais, viaja sozinho e acompanhado, conhece outras culturas, outras pessoas, gente diferente de ti e dos teus. Nesses momentos e nesses lugares fora da tua caixa é onde você vai se encontrar com a sua verdadeira personalidade, vai conseguir se enxergar no espelho sem frufrus e sem tantas carcaças. Nunca é tarde demais pra isso.
Depois que tu entender que é possível encontrar resiliência a partir da imagem que você tem de si mesmo, é hora de definir com cuidado duas outras coisas:
1. Qual é a tua capacidade de conexão profunda, consigo e com o ambiente ao redor;
2. Quem lhe influencia.
E para quê?
Para poder encontrar um propósito que te ajude a sair do caos. E também pra viver melhor quando ele passar.
Capacidade de conexão
Começamos pelo ponto 1, pois é a tua capacidade de conexão profunda que vai abrir caminho para a transformação, o que te levará da adversidade à oportunidade. Através dessa conexão profunda consigo mesmo, com o seu Eu interior, com seus desejos e anseios e também com a natureza ao seu redor, você conseguirá desenvolver um diálogo interior, encontrar um canal de comunicação com as profundezas dos teus medos e talentos. Sem reconhecer nossas vulnerabilidades e nossos talentos fica difícil construir uma autoimagem minimamente honesta.A capacidade de conexão não é somente interna, é também externa. A gente tem a impressão, às vezes, de ver as pessoas sendo tão superficiais e atarefadas e que não têm tempo pra "nada". Não param pra observar os outros, a natureza, as oportunidades. Essa suposta correria do dia a dia também é algo imposto pela Sociedade Anônima que nos rege (outros a chamarão de a "mão invísivel do mercado"). Tá todo mundo meio sem paciência, sem tempo, no corre. Pra onde eles vão?? Pra que tudo isso?
Uma pessoa resiliente obrigatoriamente cultiva a virtude fundamental da paciência. Paciência tem que ser cultivada, sim. Na era do fast food é beeeem difícil ser paciente, ainda mais quando se você sofre de ansiedade - assim como a pessoa que vos fala. Acredito que essa falta de conexão com o externo se deve muito pela falta de paciência da era do imediatismo. Há duas formas de sentir o presente e de se conectar, uma pela dor, a outra pelo amor, como quase tudo na vida. A dor do arrependimento em perder a conexão com o hoje pode vir de muitas formas, seja pela perda de um ser amado que não foi curtido ou tocado o suficiente, pela privação de alguma habilidade física que antes parecia eterna, quando deixamos de nos sentir tão jovens ou quando a nossa liberdade é tolida porque o mundo declara uma pandemia e muitos projetos são destruídos em questão de dias, vidas saudáveis ou semi saudáveis não são poupadas e nos vemos obrigados e viver isolados nas nossas próprias jaulas em prol de proteger algo que parecia garantido: a própria vida.
Pra mim, os meus momentos de despertar mais profundos foram alcançados graças ao meu esforço em me conectar com o entorno natural. Me esforcei em sentir empatia pela dor do outro e dos animais, me esforcei em sentir o vento pra ter noção do poder da natureza, me esforcei em ver a natureza no seu perfeito equilíbrio, e principalmente, me esforcei em relembrar que também sou parte dela. Sou humana mas sou mamífero, toda ação terá sua reação no ecossistema e na vida, estou aqui como convidada, nada me pertence, e assim como quando visito a casa de alguém procuro não estragar nada, aqui na Terra procuro me comportar da mesma forma. Uma mera convidada, insignificante grãozinho de areia perdido entre 7 bilhões de pessoas. Às vezes, não se sentir uma pessoa única e especial amansa o ego - pra quem não sabe, ele é o nosso maior inimigo.
Se conectar de maneira profunda e sem distrações só é possível se cultivamos o hábito da meditação. Não quero dizer sentar em posição de lótus e ficar lá por 1h tentando não fazer a lista de compras. Meditar é buscar elevar o pensamento, é reconhecer o turbilhão que você leva dentro e mesmo assim insistir em tentar se encontrar no meio caos. É tentar entrar em harmonia com o corpo, a mente e o espírito. É viver em constante estado de Yoga (asanas, meditação e estudo) e tentar, mesmo que algumas vezes não funcione, desinflar esse nosso ego insportável. Humildade nunca fez mal à ninguém...
Quem te influencia?
Quem te influencia no dia a dia? Teus colegas, amigos, familiares... e pessoas que tu segues nas redes sociais, eles também te influenciam! Agora pensemos, nessa equação, será que existe alguma relação tóxica? Será que tem algo aí que afeta a sua autoestima? Eu diria que sim, e nem te conheço. Digo que sim porque é praticamente impossível que nessa tsunami de informações nada te toque de forma tóxica. Nem vou falar aqui sobre a toxicidade familiar porque só aí já dá um livro. Apenas diria que: se é tóxico, tem que cortar. Ponto final.
No meio dessa tsunami de informação e de vidas instagramáveis precisamos acordar e lembrar que, 99% das mulheres tem celulite, ninguém é feliz o tempo todo e que todo mundo tem problema, até a Shakira e o Bill Gates. Não parece né? O que acontece é que são raras as pessoas que tem coragem de se mostrar vulneráveis, de compartir seus dilemas e de postar uma foto de um momento feliz com um sorriso bonito onde aparece uma papadinha ou uma gordurinha saltando pra fora da calça. Ninguém quer se mostrar cru e inteiro. O medo do julgamento alheio aterroriza e trava.
O mundo tá tão chato que a vida virou fake. É fake news pra lá, bolo fake em festa de criança pra lá, é tanta make reboco e preenchimento de lábios (fala sééério) que tu já nem sabe como é a real aparência da pessoa quando acordar do lado dela pós balada. Isso sim me daria medo.
Se tu deixar, essa onda te leva pra longe, lááá pros infernos. E pra voltar tu vais precisar de muito amor próprio e auto cuidado (não resolve só escutando mil podcasts e comprando máscara facial de dez reais).
Se você fores capaz de filtrar de que fontes você absorve influência, garanto que a tua autoimagem vai ser bem mais honesta e próxima a realidade do que tu REALMENTE eres. Sugiro começar fazendo uma limpa digital nos "influencers" e conhecidos que ganham teu follow. Hell yeah, hell no. Escolha uma delas e, vida que segue.
Cerque-se de pessoas que não só te olham, mas te veem. Gente que te vê além do papel de filha, de irmã, de mãe, de namorada. Algumas pessoas têm o dom de ver os seus talentos, o seu coração e conseguem escutar as mensagens dos seus gritos abafados. Escute essas pessoas, compartilhe seus dilemas, angústias, alegrias e ideias loucas. Elas vão acabar potencializando a sua cura ou a sua transformação. Elas serão seus mestres.
Influência não vem só de pessoas, mas de livros também.
As influências teóricas também são fundamentais, especialmente pós Revolução da Internet e em meio à uma crise global sem precedentes. Também é necessário construir a autoimagem social, definir princípios e construir a narrativa na qual estamos ou queremos nos inserir. Não há tempo para sermos superficiais mais, as crises econômicas e ambientais já bateram na nossa porta. O aviso prévio já vinha sendo dado. Não há tempo para deixar se levar pelo medo do julgamento alheio ou do nosso próprio ego. Tá todo mundo com medo, e precisamos avançar com ele ou sem ele.
As influências teóricas que você escolher vão determinar e contribuir à sua visão de mundo, vão ajudar a forjar seus propósitos e o estilo de vida que quer perseguir. Sem um pensamento crítico e uns objetivos traçados, você será apenas mais um barco à deriva, sem rumo e desconectado.Com as ferramentas certas e com muita conexão, você vai se aproximar do seu propósito, vai conseguir colocá-lo em uma palavra, um verbo. E esse verbo vai te guiar ao longo da vida, te ajudando a nunca perder o foco. Propósitos podem ser mutáveis e adaptáveis, pois você é um ser em constante transformação. O importante é equilibrar o seu propósito com o seu momento e com o que o seu coração clama.
"Em um mundo inundado de informações irrelevantes, ter clareza é poder". Assim começa um dos meus livros favoritos e fundamentais na construção da minha narrativa, 21 lições para o século 21, do professor Yuval Harari, uma das mentes mais brilhantes do século. No meio desse mar de informação muita coisa importante passa desapercebida, e muita coisa inútil ou fake ganha mais atenção do que deveria. Se você não souber filtrar, não souber que tipo de informação te alimenta, sinto dizer, mas você será apenas mais ovelha no meio do rebanho.
Ter clareza é poder. Meditar trás clareza. Se conectar consigo mesmo traz clareza e esse será o seu poder pra sobreviver à qualquer tempestade e ir mais além do resto do rebanho.
O pensamento crítico vai de encontro com o espiritual quando você se dá conta que a partir da filosofia existem premissas fundamentais, assim como na natureza. Você precisa confiar em certos métodos de análise da realidade, assim como você precisa confiar nas leis da natureza, você precisa confiar na ciência e entender que nosso planeta é redondo, circular. Nada se cria tudo se transforma. A ação sempre virá recompensada pela reação. Dentro desses ciclos naturais nada está sob o controle humano, tudo é absolutamente inconstante. Por isso a resiliência é tão incrivelmente fundamental para a gente sobreviver às mudanças constantes. Nossa única certeza é que o amanhã não será igual ao hoje. O resto é análise, é previsão, é jogo de cintura, é improviso.
O pensamento crítico vai te ajudar na compreensão da realidade. Precisamos primeiro compreender, para poder reagir. E o que está acontecendo atualmente, em 2020, no auge da revolução da internet e e de uma pandemia que está destruindo o nosso liberalismo falho e frágil, é uma grande matança de ideias, cancelamentos virtuais, extremismos, justo quando mais precisamos avançar, justo quando precisamos encontrar saída pro caos que nós mesmos criamos. A sensação de catástofre e de fim de mundo aumenta graças ao ritmo da disrupção tecnológica. Faz falta um prisma alternativo para interpretar nossa realidade, individual e coletiva. Falta construir com verdade e profundidade nossa autoimagem como indivíduos e como sociedade. A crise está revelando nosso caráter e está trazendo à tona nosso lado mais bonito e também mais instintivo. Precisamos sobreviver.
Já não é hora de seguir, é hora de liderar. É hora de assumir nossas vulnerabilidades e de reconhecer o que faz o nosso coração tão humano e frágil bater mais forte. Nesse momento, ou vivemos essa espera de uma forma torturante e frustrante, ou criamos uma oportunidade de viver uma experiência meditativa, instropectiva, que nos tornará mais sagazes, mais alertas e mais resilientes do que nunca.
Recomendações de livros:
1. Política, poder e mudança, do Osho.
2. 21 lições para o século 21, do Yuval Harari.
3. A economia do custo marginal zero, do Jeremy Rifkin.
4. A economia da desigualdade, do Thomas Piketty.
5. Expulsões: brutalidade e complexidade na economia global, da maravilhosa Saskia Sassen.
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