#quarentextos: sobre isolamento e mergulhos profundos.

Já são mais de dois meses de isolamento. Nem sei exatamente quantas semanas, confesso que perdi as contas faz tempo, ando bem perdida nos dias, no tempo, preciso olhar o calendário constantemente.

Ando perdida no tempo, sim, mas me encontrando cada vez mais em meio ao caos que reina do lado de fora.

Isso mesmo, do lado de fora. Aqui dentro a história é outra. Aqui dentro eu tento controlar aquilo que é possível, as vibes, os pensamentos, meu corpo e meu tempo. Meu governo decreta rituais, rotinas e pausas, muitas pausas. Às vezes perdo o controle de alguns desses fatores, mas quem continua dando o tom da história aqui dentro, sou eu. Dentro do meu lar, dentro do meu ser.


Nossa única alternativa é olhar pra dentro.

O maior ensinamento em meio à pandemia, à quarentena interminável (sim, onde eu moro o lockdown é totalmente sério), à toda essa tragédia que meus ouvidos escutam e meus olhos veem nos jornais, é, sem sombra de dúvidas, olhar pra dentro. Tudo sempre foi efêmero, sempre. A gente é que não via, a gente estava cego. Agora tudo saiu à luz. Quem não tá valorizando mais o que perdemos, a vida de antes, os momentos, o compartilhar, o tocar, deve estar é morto por dentro...

E no meio do caos eu fui! Fui ali dar um mergulho. To conseguindo prender o ar por muito tempo, debaixo dessa água transparente eu consigo ver tudo com clareza. Debaixo dessa água consigo enxergar monstros e serpentes, mas também vejo criaturas maravilhosas.

To conseguindo me lembrar de coisas que eu já tinha esquecido, to me aproximando de gente que andava longe de mim. Debaixo dessa água não tem tormenta, o tsunami passa por cima e eu não sou atingida. Esse mergulho era tudo o que eu precisava.

Eu precisava da adversidade, precisava desse apertão, desse susto. Eu achava que valorizava cada momento, até que veio essa onda e me inundou de intensidade e levou de mim a ansiedade. Me inundou com o olhar da abundância.

O processo aqui debaixo é intenso, é explosivo e pacífico ao mesmo tempo. Como o mar, calmo mas traiçoeiro.

Explodo de ideias, de energia, de amor e de saudosismo. Essa onda fez eu me sentar diante de mim mesma e fazer as pazes. Estamos em paz, eu comigo mesma, eu com o mundo.

O caos dói, é óbvio. Me dói ver de longe, daqui da janela do meu privilégio, os seres que sofrem. Mas o caos também é necessário... Uma vez vi uma frase em um muro de Lisboa que dizia, "o caos é uma ordem por decifrar". Bah, fez sentido.




Abençoado seja o caos.

Um pouco de fé também vai bem nesses momentos. Fé na vida, fé no humano, fé no universo. Os ciclos vão se fechar, o luto vai passar e vai dar espaço pro renascimento.

Enquanto essa onda durar eu vou continuar aqui, mergulhando em fotos, revivendo momentos, reativando conexões com seres queridos, criando minha realidade e mergulhando profundamente dentro de mim. Abençoado seja o caos.

Na minha oração apenas peço que quando a gente conseguir voltar pra praia possamos nos olhar no espelho e encontrar uma versão nossa renovada, mais honesta, mais presente e mais empática.

E assim seguiremos, isolados entre 4 paredes, mergulhados no infinito de nós mesmos.

Meu lar é meu templo, meu corpo meu instrumento e minha mente, uma imã pro universo entrar.





Comentários

  1. Nossa, acho que com muita sabedoria e discernimento você chegou na essência do real motivo dessa quarentena. Certamente o COVID-19 não veio para nós em vão, e deve existir um propósito por trás disso, que é a oportunidade para darmos esse mergulho dentro de nós mesmo e assim voltar à superfície sentindo mais, respeitando mais, desfrutando as dádivas de cada dia e do que realmente somos mais e mais.
    Texto muito inspirador Andreia. Parabéns!

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